Alguns anos atrás, eu tive o ímpeto de entrar em contato com alguém que esteve em minha casa por uns dias e perguntar como ele estava. Ele escreveu de volta e me contou que aqueles dias mudaram os objetivos e o rumo de sua vida, e que havia percebido que estava seguindo um caminho que não o conduziria para onde queria. Mas, em seguida, ele disse: “Levei dois anos para encontrar o início da nova trilha”. Essas palavras fizeram meu coração doer!
Na verdade, tenho ouvido a mesma coisa de muitos outros que se encontram no meio de todo esse contexto religioso, desse sistema baseado no desempenho que diz: “aqui estão as regras, siga-as”, “aqui está o que você deve fazer, vá e faça assim”, “é assim que você pode conquistar seu acesso a um relacionamento com Deus”. Querer ajudar as pessoas a sair dessa confusão é o que me leva a falar sobre viver como um amado de Deus e desfrutar de um relacionamento dinâmico com o Pai que seja comunicativo e transformador. Mas às vezes eu recebo e-mails de pessoas que dizem: “eu sinto que Deus nunca falou comigo”, “estou tentando seguir essa jornada há 40 anos”, ou “durante 20 anos eu tenho ouvido suas mensagens e ainda assim Deus nunca se revelou a mim”. Isso me entristece demais, porque eu tive o mesmo sentimento na minha jornada, tentando encontrar meu caminho até os 42 anos de idade. Foi então que passei por uma transição em minha vida, e é sobre isso que eu quero falar nesta sequência que vou chamar “De Glória em Glória”.
Minha jornada acabou sendo diferente do que eu planejara, e adentrei nela de maneira cambaleante. Mas eu adorei os tropeços, as mudanças, e como Deus se fez conhecido, não da forma como eu gostaria que tivesse feito, nem tão explicitamente como muitos preferem, ou como talvez pensemos que as Escrituras indicam. No entanto, eu penso que esta é a verdadeira jornada, onde Deus é conhecido, onde a inclinação para a sua realidade me transforma. E essa mudança não é para me tornar diferente do que eu sou, mas para me fazer quem eu realmente sou, quem Deus me criou para ser, antes que o pecado e a religião distorcessem a minha essência.
Uma das passagens nas Escrituras que sempre me frustrava era 2 Coríntios 3, versículos 17 e 18, particularmente o 18, onde é dito que de glória em glória estamos sendo transformados. Isso costumava me enlouquecer, porque a maior parte da minha experiência antes de encontrar o caminho de relacionamento não parecia ser de glória em glória, como diz o verso. Não quero dizer que Deus não era real, porque era. Havia momentos de clareza, Deus se movia e coisas incrivelmente poderosas aconteciam, mas depois simplesmente pareciam desaparecer. Nós até brincávamos sobre as experiências de topo da montanha, quando íamos aos acampamentos e retiros, tentando recuperar nosso primeiro amor. Só que, na nossa jornada, não estávamos sendo transformados de glória em glória. Ao contrário, parecia ser de cova em cova, de uma posição ruim para outra, de uma expectativa frustrada para outra.
O texto realmente é muito maravilhoso:
“Ora, o Senhor é o Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade. E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2 Co 3.17,18 – ARA).
No contexto desse versículo, Paulo está contrastando a velha e a nova aliança. Havia uma glória na velha aliança, com Moisés, quando Deus desceu ao Monte Sinai e se revelou a ele. A face de Moisés brilhou diante dessa iridescência da glória do Pai, de forma tão intensa que as pessoas mal podiam olhar para ele, ou, se conseguiam, era algo diferente, especial. Então, aquela glória começou a desaparecer, e Moisés a cobriu com um véu. Embora não explique dessa forma nos escritos de Moisés, Paulo interpreta que ele se cobria para que as pessoas não vissem a glória desaparecendo. Assim, Paulo está fazendo um paralelo com o enfraquecimento das abordagens religiosas para chegar a Deus, incluindo não só a lei Mosaica, mas as abordagens religiosas como um todo.
Essa perspectiva descreve muito bem minha jornada, antes que eu conhecesse a Deus da maneira como o tenho conhecido nos últimos 25 anos ou mais. Era sempre mais ou menos assim: Deus se revelava, sentíamos que ele estava conosco, havia empolgação, achávamos que finalmente havíamos conseguido a presença dele, e seguíamos nossa vida pensando ter encontrado o caminho. Porém, toda aquela empolgação ia sumindo, e logo tentávamos nos esforçar e empenhar mais para recuperá-la. Só que o resultado era pior ainda. Não conseguíamos entender o que Deus estava fazendo. Em certos momentos, podíamos ver aquele brilho refletido em um novo convertido – não uma pessoa atemorizada por culpa e vergonha, mas alguém que entrou em profunda conexão com o Deus amoroso e que acabou de experimentar o perdão dos pecados pela primeira vez em sua vida. Que empolgação e alegria manifestadas ali! Pessoas assim causavam constrangimento para nós, os mais maduros na fé, que estavam nessa jornada há mais tempo. Olhávamos para eles e dizíamos entre nós: “Não se preocupe, eles vão crescer e sair logo dessa fase; vão ficar mais maduros e depressivos como nós, vivendo ‘de cova em cova’”.
Assim, para mim esse versículo de 2 Coríntios, que é tão poético, lindo e promissor, parecia irreal, não funcionava. Vejo que isso é verdade para muitos daqueles que me escrevem, dizendo: “Você diz que Deus fala conosco, mas ele não fala comigo”; ou “Deus está em silêncio”. E eu sempre respondo: “Eu não acredito em um Deus silencioso”. Jesus fala que Deus está sempre trabalhando. Eu penso que o Universo inteiro clama a nós com a voz de Deus. Acho que aprendemos a reprimir essa voz, não intencionalmente, mas devido à maneira como a carne age em nós, pela maneira que a indulgência do desejo carnal humano e o pecado distorceram nossa capacidade. Eu penso que nosso entendimento das Escrituras, o sistema religioso que o homem criou sufocou essa voz ainda mais. Podemos ouvir alguns ruídos distantes de sua voz, em alguns momentos, mas, no momento em que mais precisamos ouvi-la, quando estamos em prantos, abrindo nosso coração, implorando a Deus para nos mostrar algo, e não conseguimos ouvir nada, é muito fácil nos sentirmos deprimidos, desgastados e negligenciados. As mensagens que recebo de pessoas que se sentem assim mostram um Deus semelhante a um pai que abandonou a esposa quando o filho nasce, e que pode mandar recados ou até ligar de vez em quando de um local distante, mas que nunca vai passar tempo de qualidade com esse filho. Essa imagem de Deus parte meu coração, porque tenho certeza que traz profunda dor ao coração de Deus.
Deus está com todos nós, a cada momento. Paulo disse a ateus, e não a cristãos, que nele vivemos, e nos movemos, e existimos. A glória, a vida e a luz de Deus nos rodeiam. Ele quer que abracemos a sua glória, e é por isso que chamei esta pequena série de “Abraçando Sua Glória”. Durante minhas leituras recentes do evangelho de João, comecei a enxergar um processo que vou descrever nos próximos capítulos dessa série. Não é importante que você entenda todo o processo para que aconteça na sua vida. Ao longo da minha jornada, tenho observado pessoas que crescem e prosperam na vida de Jesus de um jeito que parece ser a coisa mais simples do mundo; elas cultivam um relacionamento com Deus que é dinâmico e transformador, e que as torna mais amorosas, descansadas e humildes. Por outro lado, vejo pessoas que também estão supostamente desenvolvendo um relacionamento com Deus que se tornam mais arrogantes e exigentes, o que me faz duvidar se estão de fato nessa jornada e se é a glória de Deus que está emanando delas. Podem estar seguindo regras religiosas numa espécie de servidão, podem ter-se tornado peritos em assuntos religiosos ou podem ter livros sobre isso para vender ou desejar promover um ministério ou um projeto. Porém, o que elas estão promovendo exala, com frequência, aquele odor de esforço humano ao invés da fragrância do Pai. Pode haver muita ira contra os que não são favoráveis, muita necessidade de dizer às pessoas o que devem fazer. Portanto, eu não vejo tais atitudes como fruto da glória de Deus, aquela glória relacional que muda a maneira como você vive no mundo e a maneira como trata os outros. As pessoas religiosas são, muitas vezes, pessoas enraivecidas, a maioria dos púlpitos trazem mensagens zangadas, tentando dizer aos outros o que devem fazer e mostrar tudo o que está errado no mundo. Isso me leva à seguinte conclusão: Deus quer se tornar conhecido em todos nós. E existe um caminho para que a glória de Deus seja revelada em nós e por meio de nós.
Ao olhar para trás, aos últimos 25 anos, posso dizer que agora entendo melhor o que Paulo escreve em 2 Coríntios 3, e sei que aquele versículo sobre sermos transformados “de glória em glória” é verdadeiro. Mas temos que redefinir o que é essa glória, pois é comum associá-la a um grande evento, como uma grande cura, indo de uma incrível circunstância a outra. E não é assim. Em minha experiência nesses últimos anos, passei por coisas absolutamente maravilhosas e outras terrivelmente dolorosas. Nossa vida acontece numa mistura de ambos os tipos de circunstâncias, mas, mesmo assim, quando olho para trás, posso dizer que minha jornada tem sido “de glória em glória”. Vejo que Deus se revelou e se manifestou de diversas formas, efetuando transformações em mim que valorizo muito. Eu sei que minha esposa aprecia essas mudanças e meus amigos também. Percebo que amigos de hoje me tratam de forma muito diferente em relação ao tratamento que recebia de amigos de 30 anos atrás, e dizem coisas bem diferentes sobre mim. Entretanto, no fim das contas, não estou dizendo “Agora eu atingi o alvo, estou entendendo tudo”; só estou dizendo “Deus, muito obrigado”.
Então, eu não vou lançar aqui um manual completo para ensiná-lo algo complexo com muitos passos. Quero oferecer-lhe a oportunidade de talvez contemplar uma jornada diferente. Se você sente que não precisa disso, que sua jornada está fluindo bem, que as coisas de Deus estão crescendo em seu coração e você percebe mudanças que permitem que a glória dele apareça por meio de sua vida, até de formas inesperadas, então, talvez estes pequenos ensaios não sejam para você. Mas, se você sente que sua jornada tem sido um desafio e uma batalha, que Deus não se comunica com você, que seu caminho não tem sido “de glória em glória”, e sim uma luta após a outra, e que você está sozinho nessas lutas, talvez seja uma chave para indicar que está precisando buscar um novo caminho. Sentir que Deus não está se revelando a você da forma como deseja ou da forma como você entende pelas Escrituras que deveria acontecer pode lhe dar uma chance de parar um pouco e dizer: “Talvez haja uma maneira diferente de viver uma vida com Deus”.
Portanto, meu intuito nessa série é explorar o que é a glória de Deus e como ela se desenvolve em nossas vidas. Espero que nesse processo, possamos ver algo diferente. O que pode ajudar, especialmente para aqueles que sentem que precisam proteger algo dentro de si, ou já assumem que Deus não é real, que ele não faz o que eu digo que ele faz, ou que de alguma forma se excluíram da manifestação da glória de Deus, é separar algum tempo para apresentar isso ao Senhor e apenas dizer: “Deus, eu me abro para reconhecer que estou errado aqui”, e não: “Deus, eu devo ser um idiota”, ignorando suas experiências passadas e tentando, fingindo e se esforçando mentalmente, de todas as maneiras, para tornar Deus real. Eu gostaria que, se possível, você suspendesse esse tipo de sentimento, para poder seguir nessa jornada comigo. Porém, se você quiser se apegar ao pensamento de que Deus não é real, de que ele não fala com você, ou de que, caso ele seja real, você deve tê-lo irritado de alguma forma para que ele o excluísse, essa é uma decisão sua. Nesse caso, eu não saberia como ajudá-lo.
Olhe novamente para o texto de 2 Coríntios 3 que diz: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor…”. Há duas conotações nessa passagem, e eu quero ajudá-lo com elas. Uma é sobre o contemplar, e mostra que podemos olhar para ele com o rosto descoberto. A outra perspectiva é sobre o significado do espelho, que aponta para o aspecto do reflexo e não só a visão da glória. Isso significa que, ao contemplar, também reflito essa glória em minha vida. O que eu espero que possamos explorar juntos aqui é o fato de que Deus deseja fazer sua glória conhecida em você, e a forma como essa glória é refletida ao mundo não se dá por meio de estrelas radiantes, irrompendo pela atmosfera, ou por avivamentos gloriosos conforme nossas imaginações ou expectativas. Deus se faz conhecido na maneira como tratamos as pessoas ao nosso redor, sem planejamento. Então, esse estudo não é um guia para fazer mais obras, para aprender a agir mais de acordo com a glória de Deus. A glória de Deus brilha melhor em nós quando menos estamos cientes e pensando sobre isso, quando estamos apenas vivendo no mundo. A natureza humana que Deus projetou quando nos criou tem caído muito por causa da deturpação do pecado e do engano das nossas convicções equivocadas À medida que essas deturpações são corrigidas, começamos a responder de formas que não seguem uma agenda ou um padrão de comportamento artificial. Não é mais uma tentativa de compartilhar Jesus, mas apenas viver e reagir de modo que outras pessoas vejam Jesus em nós, que é a glória de Deus. Isso abre uma porta para uma conversa mais aberta.
Estou convidando você a se abrir a isso. Simplesmente ore e converse com o Senhor sobre essas coisas, dizendo: “Deus, eu quero contemplá-lo e quero estar nesse processo de espalhar sua glória ao mundo, inconscientemente”. Porque esse processo não é sobre obras, sobre se esforçar mais para Deus. Quando falo sobre assuntos de relacionamento, e sobre como se envolver com Deus, algumas pessoas reagem, dizendo: “Não me peça para fazer mais uma coisa, a obra de Cristo está completa, tudo já foi feito por mim”. Deus nos convidou a um relacionamento porque ele quer nos envolver, e sim, toda a obra foi feita em Cristo. Mas, a questão agora é: Como posso viver nessa realidade? Eu quero descrever esse processo de uma forma que eu mesmo gostaria de ter aprendido há 25 anos. Hoje, já estou conseguindo abraçar essa verdade um pouco mais. E eu espero que minha exposição nesses artigos não seja como prender uma borboleta no isopor, como costumávamos fazer para montar coleções de insetos. Não sei como se fazem as coleções de insetos atualmente, mas antigamente prendíamos os bichinhos assim. E quando você segura uma borboleta e a observa bem de perto, ela deixa de ser aquela criatura bela e dinâmica que Deus criou para o nosso mundo. Eu amo como as borboletas enriquecem e embelezam o jardim de Sara [minha esposa], é lindo vê-las dançando. Seria adorável apenas segurar uma em sua mão e poder examiná-la bem de perto, mas você só consegue fazer isso se prendê-la e, quando o faz, ela não é mais uma borboleta, no sentido pleno. Não pense no conteúdo dos próximos artigos apenas como exercícios intelectuais. Eu espero que sejam alimento para o espírito, que abram o seu coração para o Espírito de Deus e que o ajudem a enxergar como ele está trabalhando no seu interior para compartilhar essa mesma glória com você.